terça-feira, 18 de agosto de 2015

Os homens têm medo da sexualidade das mulheres


Entrevista realizada a Nuno Monteiro Pereira, coordenador do estudo “Epidemiologia das Disfunções Sexuais em Portugal” realizado em 2011, onde discute a sexualidade feminina, as suas complexidades e evolução de como a sociedade olha para o sexo.


Acredita que o Flibanserin poderá representar uma revolução para as mulheres, como o Viagra foi para os homens?
Não. O Viagra foi lançado em 1998 e representou uma revolução farmacológica pela sua extraordinária eficácia e uma revolução cultural, porque a disfunção erétil deixou de ser um tabu total e passou a ser vista como uma doença relativamente à qual se pode pedir ajuda. Com o Flibanserin não vai acontecer isso. Acredito que possa ter alguma eficácia no sentido de aumentar o desejo, mas só no caso de uma percentagem relativamente pequena das mulheres. Aliás, os ensaios clínicos já sugerem isso. De qualquer forma vai ser importante porque até agora não havia praticamente nada para as mulheres, exceto testosterona. Mas a falta de desejo por baixa testosterona não atinge mais do que 10% ou 15% das mulheres.
Qual é a prevalência da falta de desejo sexual nas mulheres? 
De acordo com o estudo epidemiológico que coordenei sobre a disfunção sexual, o desejo hipoativo atinge cerca de 35% das mulheres portuguesas. É um número elevado, mas menor do que o apontado na maior parte das estatísticas internacionais. Ou seja, há menos disfunções do desejo na população feminina portuguesa do que na do norte da Europa ou na norte-americana, por exemplo, onde os estudos apontam para uma prevalência de cerca de 60%.
Porquê? 
Há vários fatores. Por um lado, há menos problemas hormonais no sul da Europa do que no norte da Europa ou nos Estados Unidos. A testosterona, que é a hormona que determina o desejo, tanto nos homens como nas mulheres, é em geral mais elevada nos países quentes. Mas claro que também há fatores socioculturais muito importantes. A ideia de que há maiores reservas em relação à sexualidade nos países latinos, por causa da influência da Igreja Católica, nunca foi provada. Pelo contrário. A sexualidade é mais saudável no sul da Europa do que no norte da Europa e nos Estados Unidos, onde os tabus são devastadores e há um puritanismo maior.
A que se deve a falta de desejo no caso das mulheres?
O desejo sexual feminino é extremamente complexo e dependente de vários fatores. Por um lado, a expressão da sexualidade feminina sempre foi muitíssimo mais reprimida. Uma mulher que exprimisse desejo era considerada leviana. Felizmente, isso está a mudar, mas esse ainda é um dos fatores inibitórios do desejo. Por outro lado, os mecanismos cerebrais do desejo sexual são muito mais difíceis de funcionar, e de perceber, na mulher do que no homem. Do ponto de vista puramente orgânico, o homem é muito mais básico. Ou melhor, menos complexo. O modelo de resposta sexual do homem é linear — desejo, excitação, orgasmo. Tem um princípio e um fim. No caso da mulher pode dizer-se que é circular, o que significa que não tem princípio nem fim. Muitas vezes a mulher não tem vontade de ter relações sexuais mas aceita tê-las e acaba por lubrificar, mesmo que lhe apeteça pouco. E por vezes o desejo acaba por aparecer a meio ou até já depois de o homem ejacular. Se quisermos ser objetivos, as coisas estão predeterminadas na espécie humana para que possa haver relações sexuais muitas vezes. Na maior parte dos animais isso não acontece. A cadela, por exemplo, só tem cio duas vezes por ano e não consente qualquer atividade sexual fora dessa altura. Mas a mulher pode ter uma relação sexual em qualquer altura, mesmo sem desejo.
O facto de o conseguir, ao contrário do homem, faz com que a ciência não tenha investido tanto na criação de fármacos para a mulher?
É uma das explicações. Mas a verdade é que, em relação à sexualidade feminina, ainda se conhece pouco. E especula-se muito. A resposta sexual do homem conhece-se bem e é muito clara. A da mulher deixa imensas dúvidas. Além de que é muito mais fácil estudar um órgão que está visível e que se observa o que acontece com ele do que os genitais femininos, que estão escondidos. Tudo é mais difícil. Por outro lado, a complexidade e a variabilidade de mulher para mulher é muito maior.

A frequência das relações sexuais pode fazer aumentar ou diminuir o desejo?

Em princípio não. As relações são em função do desejo e não vice-versa. O problema num casal é quando um tem muito mais desejo do que o outro. Normalmente o homem tem mais vontade e mais iniciativa. Mas muitas vezes é egoísta e não se esforça nada por criar ambiente nem investe nos preliminares. A maior parte dos homens não percebe nada de sexualidade porque ninguém os ensinou. Um dos dramas masculinos é que, de facto, os homens não percebem nada de mulheres. Com uma agravante. Além de não perceberem nada, agora estão assustados porque as coisas estão a mudar. Havia um grande domínio masculino nesta área. Os homens tomavam a iniciativa e elas aceitavam. Mas agora elas já reivindicam. E até já tomam a iniciativa. O padrão está muito confuso e os homens não estão preparados para isso. Têm medo da sexualidade delas.

Por Joana Pereira Bastos in Jornal Expresso.

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